quinta-feira, dezembro 22, 2005

Complexo de Amélie Poulain. Ou reflexões de uma moça às vésperas de um novo ano.

Nesse dia o espelho lhe disse: “Não fica dando uma de boa moça. A vida é não é filme e você não entendeu!”, plagiando um certo compositor. A moça - nem bonita nem feia, mais sorriso que olhar, não mais menina e ainda quase mulher – analisava por um instante sua história. Pensava nas inúmeras pessoas que conhecera, naquelas que haviam entendido seus refrões, nas que havia perdido por algum gesto demasiado assertivo ou por uma palavra mal colocada. Recordava as tentativas exitosas e as frustadas. Não soube ao certo contabilizar a proporção entre elas. O que fora frustado um dia, mostrara-se exitoso noutro. E vice-versa.

Algo, no entanto, lhe doía n’alma: a incerteza sobre ter feito a melhor escolha entre as personagens possíveis até então. Sempre se esforçara para ser a “boa moça”? Era isso ? O mundo, no entanto, de quando em quando sussurrava ao seu ouvido que os “bons moços” eram muitas, inúmeras e redundantes vezes acometidos de males perversos como profunda ingenuidade e falta de crítica. Ela o sabia. E não era ingênua. Muito menos carecia de crítica.

Buscou encontrar no próprio reflexo uma resposta para sua questão. Viu então desfilar diante de si uma porção de imagens, de pessoas. Pessoas que admirara durante a vida (e que ainda admirava). Todas com algo em comum, homens e mulheres: a credulidade. A crença nas pessoas, em suas razões e em seu potencial.

Finalmente, compreendeu que essa sempre fora sua escolha, seu papel preferido: ser crédula. Percebeu que entre as duas personagens, entre a boa moça e a crédula, existia uma diferença abissal. A primeira era a alternativa cômoda, desprovida de intenção, apropriada apenas. Já a segunda era necessidade, instinto, sentir-se no elemento.

Lastimou que muitos cobrassem dela a postura da boa moça, sem distinguir corretamente sua condição. Por isso, às vezes, se ressentiam com ela. E ela também com eles.

Contudo, satisfeita com a resposta que o espelho lhe dera, respirou fundo e sorriu. Vestiu a fantasia de sempre. Ainda não haviam chegado hora nem motivo de mudar. Talvez incrementasse alguns assessórios novos, mas o figurino básico permaneceria o mesmo.

Saiu e foi festejar o novo ano que chegava, acreditando nele também.

Um comentário:

Anônimo disse...

Por que nao:)