quarta-feira, dezembro 27, 2006

Ho!Ho!Ho! e Réveillon

Adoro as festas de fim de ano! Fico completamente absorvida por elas. Note-se o tempão que não passo por aqui. Estava perdida em meio às listas de presentes e compras, entre cardápios e receitas, organizando a agenda para que coubessem todos os encontros de família e com os amigos.

Por outro lado, tenho que admitir: a época me impõe pequenos desgastes “emocionais” ou de paciência. Incomodam-me, por exemplo, os cumprimentos distribuídos aleatoriamente por atendentes de loja, frentistas, caixas, cobradores de pedágio e outros, à la Blockbuster, com aquele sorrisinho frouxo ao final. Sinto sempre uma pontinha de indignação saindo junto com cada resposta “educada” que dou. Já receber um cartão, e-mail, telefonema, SMS ou o que seja de um amigo compensa todos esses momentos de stress. Daqueles que não vejo há tempos, então... Melhor ainda!

Gosto muito de presentear. Sou a típica sócia do Papai Noel e o ajudo com muito prazer. Durante o ano, costumo registrar os pequenos desejos revelados por meus futuros presenteados para oferecer algo que realmente agrade. Porém, confesso, sou tomada por certo pânico no momento da troca de presentes. Não consigo disfarçar meu desapontamento ao ganhar algo que não me apetece. E o pior: sou bem difícil de agradar. Chata mesmo! Para me recompor daqueles pequenos traumas, procuro me satisfazer com meus acertos e com a fama de boa presenteadora. É... Isso é bacana e me envaidece, não posso negar. E não pensem que os presentes são caros ou sofisticados. Pelo contrário. Mas, escolhidos a dedo. Afinal, presentear é uma arte, como já dizia algum slogan por aí.

Também sou fã dos pratos típicos de fim de ano. Entre os preferidos está a Salada Grã-fina da minha mãe, a começar pelo nome pitoresco. Só ouço essa palavra, grã-fina, uma vez ao ano e adjetivando a tal salada. Chester e farofa completam o menu básico. Mas, quer uma coisa que me chateia? Gente separando os ingredientes de que não gosta na borda do prato. Ô, coisa irritante! E quando eu preparei o prato, então... Dá vontade de dizer umas verdades! Não que todos sejam obrigados a gostar de tudo, mas...

À exceção destes pequenos detalhes, o ritual todo me agrada. Seja ele importado, com Papai Noel vindo do Pólo Norte ao invés de da Amazônia, com árvore de bolas vermelhas imitando maçãs, no lugar de amarelas que seriam mangas ou laranjas. No 31 de dezembro, vestimos o branco, pulamos as sete ondinhas ou guardamos as sementinhas de romã ou o que quer que seja. O que importa, na verdade e no fim das contas, não é a forma, mas o clima. E no caso da passagem de ano, a chance de despertar, que é de onde vem a palavra Réveillon, do verbo réveiller, em francês, acordar, despertar. Despertar não só para um novo dia, mas para todo um novo ano.

Então, não posso desejar nada mais óbvio a todos que um Feliz Despertar para 2007!

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Homeopatia IV - em dose dupla

"Cada uno da lo que recibe
y luego recibe lo que da
Nada es más simple
No hay otra norma:
nada se pierde,
todo se trasforma"
Jorge Drexler, cantor e compositor uruguaio



e...

"Nós somos a soma de nossas decisões."
Wood Allen, ator, diretor e roteirista americano

sábado, dezembro 02, 2006

O Marketing depois de amanhã

Nesta sexta-feira assisti a uma daquelas palestras bacanas e raras, tanto bela qualidade do conteúdo quanto pela sagacidade do palestrante em capturar a atenção e conquistar a simpatia da platéia. Sobre o que? Tendências e inovações no mundo da tecnologia que impactarão as atividades relacionadas ao marketing e à publicidade nos próximos quinze anos. Por quem? Ricardo Cavallini, publicitário com currículo recheado por experiências em grandes agências e produtoras, profundo conhecedor dos meios digitais e, aparentemente, um apaixonado por tudo que é inovador e reside no mundo tecnológico. Confesso que deixei o auditório um pouco "angustiada” diante de tantos temas novos e instigantes, e que demandam tempo e reflexão para a devida digestão: mobile media, advergames, novos displays, computação ubíqua... Por outro lado, parti curiosa e motivada a entender um pouco mais de que tratam as tais novidades e sentindo-me privilegiada por ter sido apresentada a elas de maneira tão competente e, acima de tudo, didática.
A apresentação resumiu o conteúdo do recém lançado livro “O Marketing depois de amanhã”, de autoria do próprio Ricardo Cavallini. Para quem gosta de futurologia pé no chão, recomendo. E para uma degustação visite http://www.depoisdeamanha.com.br/.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Coordenadas

Terminei ontem de devorar o livro “Travesuras de la niña mala” do peruano Vargas Llosa. Confesso que esperava um pouquinho mais do autor neste meu début em sua obra. Ficou faltando alguma marca registrada, algum tique ou vício de linguagem, daqueles que nos permitem reconhecer o escritor de bate-pronto. Talvez esses traços estejam destacados em outros livros mais emblemáticos e antigos. Vou averiguar! Mas, não deixa de ser uma boa leitura para refestelar a alma.

Trata-se de uma história de amor. Uma longa história de amor, de toda uma vida. E que tem como pano de fundo os acontecimentos sociais e políticos do Peru e da Europa entre as décadas de 1950 e 1980.

Marcou-me, sobretudo, a idéia que o autor desenvolve sobre o pertencimento das pessoas a determinados ambientes, lugares, cidades. Acho mesmo que cada um de nós tem um habitat natural, naquela vizinhança ou cidade, na oficina ou no escritório em que nos sentimos acolhidos, confortáveis, integrados e até protegidos. Nossas coordenadas de referência. Claro, existem os nômades e forasteiros por natureza, que não suportam fincar pé em lugar algum. Mas, acredito que mesmo estes devam se sentir mais à vontade em certos sítios. E precisam respirar seus ares de quando em quando.

O repertório da auto-ajuda diz muito sobre estarmos “bem por dentro”. Mas, talvez, tão importante quanto o olhar para o interior seja a escolha do cenário que nos acolhe. Não me refiro aos outros personagens da trama, mas sim ao espaço físico e sensorial. Com sua história, sua temperatura, ritmo, sabores, encantos e desencantos estéticos.

Certamente somos adaptáveis. Mas, até que ponto, vale pensar.

domingo, novembro 05, 2006

Homeopatia III

"Nenhum homem é hipócrita nos seus prazeres."
"Nul homme n'est hypocrite dans ses plaisirs."
Albert Camus

segunda-feira, outubro 30, 2006

Pagus pós-modernas

Estava aqui revendo os resultados das eleições e notei que as senhoras andaram marcando forte presença nestas disputas. Segundo contabilizei, foram 11 as contendoras nos pleitos estaduais, em um total de 27 estados incluindo o Distrito Federal. Leia-se, portanto, mais de 40% de presença feminina. Além das 2 candidatas à presidência e de outras muitas que disputaram cadeiras no senado e nas câmaras federal e estaduais. Confesso que não saberia afirmar se efetivamente houve um aumento na participação das mulheres. Apenas chamou-me à atenção e fiquei com a impressão de que temos mais saias desfilando nas contendas pelos poderes executivo e legislativo.

Ainda sobre mulheres e poder, comentava dia desses com meu marido sobre boa parte de minhas colegas e amigas serem “arrimo de família”. Não deveria me surpreender, já que há algum tempo freqüentes estudos e pesquisas dão provas do fato. Na verdade, o que realmente me admira é notar que, em sua grande maioria, elas não abandonaram os outros papéis tradicionais. Ocasionalmente, o de Amélia é posto de lado, por não caber ou não as sobrar tempo para representá-lo. Mas já os figurinos de mãe, de amante e amiga (além do de profissional) estão quase sempre impecáveis e neles essas notáveis damas desfilam tranquilamente, os alternando ou sobrepondo ao longo das horas, ou mesmo dos minutos. Haja cintura para tanto jogo!

Como bem disse a Rita Lee no papel de uma destas mulheres na música Pagu, “minha força não é bruta”.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Eu blogo, tu blogas, ele bloga

Como boa sagitariana, sou irritantemente curiosa. Há cerca de um ano fui apresentada aos primeiros blogs. E, aí, deu no que deu. Fui querer saber melhor do que se tratava essa “coisa” e acabei entrando para a blogosfera. Sem grandes pretensões, vale dizer, apenas a de experimentar. E assim continuo: experimentando. E gostando desta despretensiosa aventura de pseudoescritora e da troca de figurinhas entre antigos e novos amigos nesses pontos de encontro virtuais. Confesso ter andado um pouco distante do Sarau. Mas, aqui estou. E isso é um vício!

Lia esta semana no UOL sobre o The BOBs, nome simpático que apelida o concurso Best of Blogs, promovido pelo grupo de mídia alemão Deutsche Welle para escolher os 15 melhores blogs do mundo em 10 idiomas e que já está em sua terceira edição. Parece que este “novo” formato está mesmo se afirmando. E o mais bacana: ele é democrático, um verdadeiro do-it-yourself literário-cultural. Basta estar plugado e somos todos os donos de nossos próprios veículos de comunicação!

Como tudo que é relativamente novo inspira questionamentos e reflexões, estudiosos das mais diversas áreas vêm dedicando tempo e fosfato a traduzir “fenômenos digitais” como este. Cito particularmente a iniciativa de minha cara e admirada amiga Ana Carmen Foschini, jornalista apaixonada pelos mistérios da rede que, em parceria com seu colega de profissão Roberto Romano Taddei, realizou uma série de livros digitais que compõem a Coleção Conquiste a Rede. São quatro volumes dedicados aos seguintes temas: Blog, Podcast, Flog & Vlog e Jornalismo Cidadão. Todos em linguagem simples e distante dos jargões, esclarecem, dão dicas e buscam informar o internauta e motivá-lo a explorar as possibilidades de interação autoral apresentadas pela web. No volume sobre blogs, por exemplo, de forma resumida apresentam-se a história da criação do formato, seu advento e as mudanças no uso e apropriação ao longo dos anos, dicas sobre o que postar, ressalvas sobre direitos autorais, entre outros assuntos de interesse tanto para blogueiros iniciantes quanto para os inciados.

Os livros da Coleção Conquiste a Rede estão no site http://www.overmundo.com.br/ e no recém lançado http://www.anacarmen.com/. O download é gratuito. Pela licença Creative Commons (www.creativecommons.org.br), a coleção pode ser distribuída livremente, com os devidos créditos, desde que não haja fins lucrativos. Recomendo!

Para terminar, às vezes ainda me questiono se tenho estofo suficiente para me atrever a ventilar opiniões entre tantos blogueiros tarimbados. Intuo que esta seja uma dúvida saudável. Enfim, a autocrítica é outra característica comum aos nativos de Júpiter.

domingo, outubro 22, 2006

Papo de boteco

Sexta à noite, entre uma cerveja e um petisco e vice-versa, conversava com uma querida amiga, nobre doutoranda em química pela USP, sobre um desses assuntos assíduos às mesas dos botecos. No caso, o particular e folclórico “jeitinho brasileiro”. Falávamos sobre a popular prática do “valor a mais” na nota fiscal, entre outras assemelhadas. Para evitar controvérsias, já de início declaro meu veredicto sobre tais práticas: injustificáveis. E ponto final. Para meu alento, esta também foi a posição de minha titulada interlocutora.

Em algo, no entanto, discordamos. Sobre o valor de nosso sussurro em meio a uma multidão que, infelizmente, costuma cantar um outro refrão. Segundo me disse e a seu ver, nosso caxiismo nunca passará de mera opção pessoal para nos mantermos em paz com nossos implacáveis travesseiros. Sentenciou fatalista: “Minha cara, não vamos mudar as coisas, elas são o que são. Agindo assim, só dormiremos mais tranqüilas. Só e só”. Não pude discordar do fato de que, pelo menos aqui na terra dos gérsons, compartilhamos nossa “opção” com uma aparente minoria. Contudo, todavia e entretanto e apesar de todos os pesares, ainda acredito no poder contagioso das atitudes, das boas e das ruins. Na força do exemplo. E isso não é conversa de Poliana, não senhor! Basta dar um pulinho a algumas paragens no lado de cima do planeta e verificar: quando bem plantadas e adubadas regularmente as boas práticas florescem e se multiplicam. E se pensar e agir assim for piegas, defendo um surto de pieguice.

Para arrematar o discurso, recorro a uma das infalíveis citações:
“Não é a força, mas a constância dos bons sentimentos que conduz o homem à felicidade.” Friedrich Nietzsche

quinta-feira, outubro 19, 2006

Cápsulas de Endorfina

Ganhar um elogio do professor de francês
Acresentar uma nova música à coleção das preferidas
Notar um aluno aplicando os conceitos ensinados
Receber um telefonema improvável de uma pessoa querida

Terminar um longo trabalho
Começar um novo projeto
Fazer as pazes
Respirar novos ares

Dar-se conta de uma promissora amizade
Esperar por uma notícia bem-vinda

domingo, setembro 03, 2006

Homeopatia II

"Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina".
Cora Coralina

PS: Ouvi esta frase na TV outro dia. Deu vontade de postar!

quarta-feira, agosto 23, 2006

Ah, se fosse no Canadá...

Neste mês de julho, tive a oportunidade de visitar o Canadá e em uma palavra posso definir minha impressão deste país: civilizado. Voltei com a sensação de que todos nós, brasileiros (principalmente aqueles que atualmente nos "des-governam") deveríamos fazer um estágio de civismo por lá. Aprender com este povo amável e solícito que mesmo coisas simples como jogar o papel da bala no lixo (e não na rua!), além de educação, contém em si ética e respeito pelo país e pelas pessoas. Com outras gratas descobertas, como paisagens belíssimas e um ambiente absolutamente acolhedor, constatei que o slogan "ordem e progresso" quando bem traduzido e verdadeiramente posto em prática dá certo.
Na volta, o choque foi inevitável: latas de alumínio sendo atiradas pela janela do carro (sim, ainda tem gente que faz isso!), fechadas e buzinadas gratuitas no trânsito, entre outras atitudes do gênero. E a cada um desses tropeços cívicos, lembrava-me dos exemplos canadenses e sentia-me constrangida.
Mas, se deu certo lá, porque não aqui? Em tempos de pleito e eleições, cabe fazer minha reinvidicação pessoal: benchmarking desse modelo de nação. Está pronto é "só" copiar! Que tal começarmos pelos papéis de bala?

quarta-feira, julho 05, 2006

Voilà!

E agora?!
O francês tirou nossa bola
Enquanto o cara arrumava as meias
E não adianta fazer cara feia

Agora é voltar do torpor
E dedicar a outros nosso amor
Fazer o que não fizeram estes
Dar o exemplo como presente

E, pra pensar:
"Há homens que lutam um dia e são bons; há outros que lutam um ano e são melhores; há aqueles que lutam muitos anos e são muito bons. Porém, há os que lutam por toda a vida, estes são imprescindíveis..."
Bertold Brecht

terça-feira, junho 13, 2006

Tudo verde e amarelo

No Brasil, hoje, pode não estar tudo azul, muito menos cor-de-rosa. No entanto, é certo que há muitas coisas verdes e outras quantas amarelas.

Verde está o nosso patriotismo, tão polido e reluzente em épocas de Copa do Mundo, mas nada maduro em quantas circunstâncias cotidianas, em que tendemos a valorizar mais os Gersons que os Pelés.

Amareladas estão algumas de nossas virtudes como alegria e respeito, que por esses dias até ousam sair do fundo dos baús, mas que no dia-a-dia com freqüência deixam-se tingir pelas sombras dos acontecimentos, dos fatos.

É sempre bom tirar proveito de momentos como esse para lustrar nosso brio e relembrar o quanto somos capazes. Sigamos o exemplo dos Kakás e dos Cafus: jogar limpo e fazer do verde e do amarelo sinônimos de competência e hombridade.


quarta-feira, maio 31, 2006

Nonsense

“Você anda calada!”, muitos me têm dito. E a eles respondo: sim, o silêncio também diz coisas.
A verdade é que por dias me faltaram palavras para traduzir, sem alarde ou pieguices, o quão atordoada me senti nesses dias de tantas insanidades acontecendo. Some-se a isso a sensação de se estar num daqueles momentos de suspense, em que espera e silêncio pairam no ar. Como se houvesse sido feita uma aposta. Cara ou coroa? E a moeda ainda, girando e girando, brincasse com nosso olhar. Temos que esperar ela cair. E saber da nossa sorte.

Ilustração: nó chinês da sorte - chrysanthemum.

segunda-feira, abril 24, 2006

Homeopatia I

"Tudo quanto puderes fazer ou creres poder, começa. A ousadia tem gênio, poder e magia". (Göethe)
PS: Adoro citações! Menos por algumas "verdades" que nos contam, mais pela proeza da síntese . Quem me dera...

terça-feira, abril 04, 2006

Adeus

Hoje o dia nasceu triste
As cores pálidas, a comida insossa
O coração pesado, o ritmo cansado
Recordações findas
De alguém que se foi
Mococa, São Paulo, Paris, Londres
Bons momentos...
Carsus, siga em paz!
Na bagagem, só boas lembranças
Carsus Dias, Auto-retrato - Bar Democrata, São Paulo, 1999.

quarta-feira, março 29, 2006

Simples e exato


Muitas vezes me deixo seduzir pelos best sellers, os tais que posam entre os mais vendidos em rankings e rankings, por semanas a fio. Apesar de algumas fórmulas de redundante apelo comercial, que não raro se repetem nesses títulos, ainda sou das pessoas que crêem que a versão final dos fatos é a do leitor. A partir de seu repertório próprio, pode se divertir caçando falhas no enredo ou, simplesmente, se deleitar com uma trama fácil e ingênua, como um daqueles filmes leves e de previsível e feliz desfecho, mas que cumprem pelo menos dois importantes papéis, a meu ver: realizar a catarse inversa (a purgação dos males por meio do belo e do leve, em lugar do uso da tragédia que acomete o outro e que assim se distancia do leitor ou espectador); o resgate do óbvio e do simples, como alternativas na condução da vida.

Então, de tempos em tempos, por vezes sob algumas críticas dos mais “intelectualizados” (ou intelectualóides!), me atrevo a fruir (ou a consumir!) alguma dessas obras.

Foi assim com “O Caçador de Pipas” do afegão Khaled Hosseini. Um livro de trama simples. Um roteiro de cinema pronto, exato, mais do que um bom livro. Mas que não por isso deixa de passar inúmeras imagens e idéias interessantes sobre o país do autor e sua cultura, sobre as tensas relações entre castas, sobre a amizade e o poder.

Uma das passagens do livro me chamou a atenção, digamos, pelo poder de síntese. O protagonista Amir e seu pai conversam sobre religião. O sábio pai diz ao filho que o único pecado que existe é roubar e que qualquer outro é simplesmente uma variação do roubo. E explica: "Quando você mata um homem está roubando uma vida. Está roubando da esposa o direito de ter um marido, roubando dos filhos um pai. Quando mente está roubando de alguém o direito de saber a verdade. Quando trapaceia está roubando o direito à justiça”.

Simples, não é?! Aí me pergunto se muitas outras coisas não podem ser tratadas assim, de forma tão direta. Para mim, de evidente tendência à prolixidade, serviu como um contraponto importante. Em resumo, este livro, simples e exato, deixou para mim um registro relevante. Ficam as dicas: do livro e de uma reflexão sobre a passagem descrita, que, em tempo, remete ao simples e não ao simplório!

Ilustração: Simplicity VIII, Carlo Marini.

sábado, fevereiro 25, 2006

O Aprendiz e o Sabichão

O aprendiz sabe pouco do tudo
Mas muito sobre o nada
Tem consciência do que lhe falta: saber
E, assim, compreende a extensão do muito a conhecer
Entende que, se alguém já viveu o que ele, aprendiz, pretende viver
Tem pelo menos algo a contar
E, se tem algo a contar, cabe escutar

Respeita o caminho à vista
Nele as pedras, as trilhas, os desertos e os oásis
Sem distinção
Sabe ouvir para um dia saber falar
Falar para um dia se fazer ouvir

O sabichão sabe pouco
Sobre o tudo e sobre o nada
Quando olha adiante vê um espelho
Que distorce o passado e esconde o porvir
Incapaz de distinguir entre o sábio e o tolo, entre o ser e o estar
Julga ser um
Quase sempre é seu oposto

Amarrados aos seus pés estão dois grandes pesos:
a pretensão e a vaidade
Quando tenta ascender, não o deixam chegar
Finge não ouvir para não ter que falar
Finge falar para não precisar ouvir

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Alô, amigo!


Não sou de ouvir rádio. Em geral, prefiro o ruído das coisas. Das rodas do carro deslizando no asfalto, dos cachorros latindo em alguma casa da vizinhança, do vento assobiando sua melodia discreta. Há momentos, no entanto, em que o rádio é companhia bem-vinda. Na estrada, num dia de comemoração, em momentos em que a solidão se faz incômoda e é preciso entreter os pensamentos.

Ultimamente, mais por um dever de ofício (de publicitária) do que por qualquer outro motivo, tenho acompanhado a programação de várias rádios das cidades do interior de São Paulo por onde transito. E nesse exercício de ouvinte, algo, que deixaria professor Pasquale e todos os seus colegas de ouvidos constrangidos, tem me chocado: como falam de forma errada os locutores de algumas rádios! Aparentemente sob os pretextos de falar “a língua do povo”, de usar o linguajar acaipirado do interior e de se aproximar de sua audiência, ultrajam a gramática e chegam a se perder entre tantas concordâncias equivocadas, fazendo-se até incompreensíveis em algumas situações.

Todos cometemos nossas gafes. Isso é óbvio e saudável até. E temos o direito a tal. Eu mesma ao inaugurar esse blog me equivoquei sobre a escrita correta de “sarau”. Mas, diante de meu erro enrubeci solitariamente. E me apressei em colocar as letras certas nos lugares corretos para que outros não cometessem o mesmo deslize.

O que vejo como algo triste, no mínimo, no caso das rádios, é o fato deste “falar errado” não parecer constranger ou preocupar. O fato de ser corriqueiro. Aparenta um descaso de alguns profissionais com o papel de comunicadores e formadores de opinião que escolheram ou que lhes foi atribuído. Como esperar de um povo o bom uso da língua (que faz parte da uma boa educação) se alguns que podem (e devem) dar o exemplo não o fazem?!

Alô, amigos radialistas e locutores! Que tal mais sintonia com a nossa gramática? Maior atenção e cuidado nesse quesito. Os amigos ouvintes agradecem.

sábado, janeiro 07, 2006

Sobre o que dizem as casas

Depois de intencionais dias off-line, vivenciando integralmente a passagem de ano com todos os seus ritos e ditos, volto ao teclado para escrever sobre algo com que, mais uma vez, me deliciei durante esse tempo de visitas a casas de amigos e parentes para almoços, jantares, entrega de presentes e festas.

Não sei se acontece com muitos (gostaria de saber!), mas quando entro em uma casa sou hipnotizada pelos trecos, fotos, móveis, bibelôs e tudo que há em exposição. De forma mais que espontânea, compulsiva até, coloco-me a observar cada objeto e a maneira como estão dispostos, procurando pistas (ou corroborar o que já intuo) sobre os que vivem naquele ambiente, sobre os que atuam naquele cenário. Para mim, é quase um prazer fazê-lo! E, quando me deparo com uma coleção, sinto os olhos arderem de curiosidade. É o clímax de qualquer uma dessas explorações.

Bibelôs de viagens, entre eles os famosos sabonetinhos de hotel e sachês de fósforos, são os mais corriqueiros. Atestam aos visitantes que o dono da coleção é, obviamente, alguém viajado e, entrelinhas, abastado também (ou que, pelo menos, já teve sua época de vacas gordas!). Montes de porta-retratos enfileirados em estantes e sobre aparadores, também bastante comuns, comunicam sociabilidade. Salvo se as fotos são somente dos moradores ou, então, se predominam as de um deles. Nesse caso, o diagnóstico provável é narcisismo severo. Volumes de livros bem dispostos e com alguns indícios de uso me fazem sentir um carinho imediato pelos que vivem ali. E uma passada de olhos pelos títulos pode evidenciar mais sobre os personagens do lugar do que várias conversas. Quadros e gravuras em abundância são um deleite para um investigador de cenários domésticos: traduzem o gosto estético, indicam um estilo predominante – moderno, tradicional, irreverente, excêntrico. E, falando em excentricidade, há os que deixam claro que estão (ou pretendem estar) fora do centro, com amontoados de coisas bizarras como pequenas caveiras, carrancas, brindes de plástico expostos em cristaleiras, entre outros, que de tão estranhos acabam simpáticos.

Se isso tudo me entretém, por outro lado algo que chega a me frustrar são casas em que visivelmente é o tom de um decorador o que predomina. Muito insípidas e práticas, não conseguem contar quase nada sobre os que nela habitam. São casas sem aura e sem história aparentes. Nada contra o trabalho dos decoradores. Sou das pessoas que mais admiram sua capacidade de caracterizar um ambiente, de torná-lo mais confortável ou esteticamente agradável. O que me frustra é quando este trabalho se basta, quando o morador não participa e, pior, cultiva a impessoalidade do ambiente formatado, sem acrescentar a ele suas relíquias, suas pistas.

Frustrações à parte, sempre há casas que são verdadeiros parques de diversões, repletas de elementos lúdicos e acolhedores. E, certamente, outros observadores como eu para se deliciar com elas. Fique atento! Um deles pode caminhar porta adentro a qualquer instante.